diálogos cabanellos
10 fev - 2025

ESG em transações tributárias federais

A agenda ESG, do inglês “Environmental, Social and Governance”, vem impactando o mercado nacional e internacional, exigindo de importantes setores econômicos e companhias privadas o desenvolvimento e a implementação de estratégias empresariais que considerem os fatores ambientais, climáticos, sociais e de governança na execução dos negócios e relacionamentos.

No ambiente regulatório brasileiro, há diversos exemplos de novas regras e normativos que redirecionam a forma e o conteúdo de atividades econômicas, como o caso das Resoluções publicadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Bacen, que passaram a exigir políticas de gestão de riscos e relatórios ESG de bancos e instituições financeiras no país.

Outro sinal deste avanço da pauta no Brasil está nas novas regulamentações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tornaram obrigatória a publicação de relatórios de informações de sustentabilidade em face de todas as companhias listadas na bolsa de valores brasileira. Por fim, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) também publicou Circular que agora exige das seguradoras a execução de políticas de sustentabilidade e gestão de riscos ESG no mercado de seguros nacional.

Para além destes setores relevantes, importante inovação na área tributária veio com a Portaria de nº 1.241/2023, da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, que alterou a Portaria PGFN nº 6.757/2022, esta que regulamenta tanto a transação tributária individual quanto aquela por adesão, trazendo novas disposições sobre o tema da transação tributária em cobrança de créditos da União e do FGTS.

Segundo a Portaria, definiu-se uma nova seção com o tema “Dos aspectos Ambientais, Sociais e de Governança nas Transações”, na qual os artigos 18-A e 18-B passaram a prever o seguinte:

Art. 18-A. Sempre que possível, na celebração das transações, serão observados e perseguidos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, devendo-se buscar efeitos positivos a partir das concessões recíprocas que decorrerem do negócio.

Parágrafo único. São objetivos de desenvolvimento sustentável aqueles previstos na Resolução A/Res 70/1, de 25.09.2015, da Assembleia Geral das Nações Unidas, subscrita pela República Federativa do Brasil.

Art. 18-B. Os acordos de transação individual deverão apontar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nele envolvidos.

Dentro do universo de padrões e referenciais da agenda ESG, os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), citados na Portaria, representam importante diretriz que, desde 2015, orienta governos, entidades públicas e privadas e a sociedade civil organizada na busca pelo desenvolvimento sustentável.

Entre os 17 ODS, há metas como a igualdade de gênero (ODS 5), energia limpa e renovável (ODS 7), passando por consumo e produção sustentáveis (ODS 12), até se chegar ao combate à corrupção e instituições eficazes (ODS 16).

Nesse sentido, o que a Portaria passa a possibilitar é que as pessoas jurídicas que estejam em processo de cobrança de dívida ativa da União Federal ou do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), cuja inscrição e administração incumbam à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, apresentem proposições de projetos ou iniciativas ESG, ligadas aos 17 ODS da ONU, na forma de compromissos em cláusulas específicas nos acordos com a Fazenda Federal, de modo a refletir em condições mais vantajosas que, ao mesmo tempo, promovam a sustentabilidade e garantam a regularidade fiscal e tributária das empresas envolvidas.

Com base nesta nova Portaria, foram firmados 02 (dois) acordos de transação tributária contendo as mencionadas cláusulas específicas de ESG/ODS, segundo divulgação do Governo Federal.
O primeiro caso envolveu companhia do setor de celulose e papel, no qual houve a redução de cerca de 80% do valor originário da dívida, passando de R$ 288 milhões para R$ 64,6 milhões de reais, condicionados à implementação estruturada de iniciativas sociais e de sustentabilidade pela empresa devedora.

O segundo caso ocorreu com empresa do setor de cimentos, em que foram negociados cerca de R$ 11 bilhões de reais, sobre os quais foram transacionados descontos que reduziram a dívida para R$ 4 bilhões de reais em três anos. As ações ESG definidas no acordo envolveram a reparação e a prevenção a danos ambientais, bem como o controle de danos sociais às comunidades afetadas pelos empreendimentos e atividades da empresa.

Neste contexto, o advento da Portaria PGFN nº 1.241/2023 e da incidência da possibilidade de constituição de compromissos ESG e de ODS nas transações tributárias federais representa importante perspectiva de fomento da sustentabilidade ambiental, social e econômica na regulação tributária, permitindo que passivos no tema impulsionem especiais ações de interesse social e coletivo, sob compromissos de empresas e companhias no Brasil.

Importante mencionar, também, que a Reforma Tributária passou a incluir diversas disposições constitucionais, trazidas pela Emenda nº 132/2023, com conteúdo de proteção ao meio ambiente e à justiça social. Pode-se mencionar, igualmente, a perspectiva gerada por meio de sua regulamentação com a Lei Complementar nº 214/2025, que, por exemplo, alterou a Lei Complementar nº 123/2006 (“Lei do Simples Nacional”), para dispor em seu art. 12, parágrafo 2º, que o “Simples Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e integração das administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e da defesa do meio ambiente”. Isso tudo gera importante repercussão nas transações.

Assim, embora até o momento tenham sido firmados apenas dois acordos de transação nesse contexto, considerado ainda que a edição da Portaria de nº 1.241/2023 é anterior à Reforma Tributária, fundamental levar em conta o notório avanço da legislação fiscal em relação à agenda ambiental, social e de sustentabilidade desde então. Certamente, trata-se de perspectiva que deve, sem dúvidas, impulsionar os esforços do governo em incrementar de forma crescente tais práticas positivas, no compasso em que tenta conciliar os interesses financeiros das empresas com a agenda ESG.

Bruno Teixeira Peixoto
Advogado e sócio do Cabanellos Advocacia responsável pela área de Direito Ambiental e Litigância Climática e integrante do time de Integridade Corporativa & ESG. Doutorando em Direito Ambiental pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FD-USP e Mestre em Direito Ambiental pela UFSC. Especialista em Compliance e Governança ESG.

Bruno Nogueira Rebouças
Advogado e sócio do Cabanellos Advocacia responsável pela área Tributária com larga experiência com consultoria em planejamento tributário, assim como assistência às empresas estrangeiras na avaliação de expansão das atividades comerciais no Brasil, projetos de reestruturação corporativa, fusões e aquisições. Mestre em Direito Tributário pela PUC-SP e professor assistente de Direito Tributário na graduação desta mesma instituição. É vice-presidente do Comitê de ISS e ICMS da Associação Brasileira de Advocacia Tributária – ABAT.